RESENHA:

NOT YET

LOBO, PEDRO. SÃO PAULO: TEMPO D’IMAGEM, 2020. 144 P.

EDUARDO AUGUSTO COSTA, FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, BRASIL
Professor doutor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, desenvolve a pesquisa Cultura Visual e História Intelectual: arquivos e coleções de arquitetura, vinculada ao Programa Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7909-0496 E-mail: eduardocosta@usp.br

DOI

http://doi.org/10.11606/issn.1980-4466.v16i31p371-382

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 371

RESENHA: NOT YET
LOBO, PEDRO. SÃO PAULO: TEMPO D’IMAGEM, 2020. 144 P.

EDUARDO AUGUSTO COSTA

Eu, filho do carbono e do amoníaco Monstro da escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco

Já o verme – este operário das ruínas – Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra

Anda e espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Psicologia de um vencido

Augusto dos Anjos (2000, p. 35)

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 372

1 UM LIVRO DOLOROSO

Augusto dos Anjos foi o poeta que me veio à cabeça, assim que terminei de ler o livro Not Yet1 do fotógrafo brasileiro Pedro Lobo (2020). Outros artistas, poetas e músicos merecem também uma lembrança neste espetáculo fúne- bre e decrépito, que nos atormenta a alma... As paisagens e seres bizarros do holandês Hieronymus Bosch, os caprichos fantasmagóricos do espanhol Francisco de Goya, o aparelho de execução de sentenças da Colônia Penal de Franz Kafka, a dança mortal orquestrada por Igor Stravinsky em seu balé A Sagração da Primavera, as vozes tenebrosas de Nick Cave, Tom Waits e Mark Lanegan. Essas são algumas das referências que parecem compor o discurso visual apresentado nesse livro de fotografias de Pedro Lobo. Como se monstros, vermes, cheiros fétidos, amoníacos, chagas endêmicas, infecções, pus e escarros estivessem todos ali, ativos infecciosos saídos dos versos para a dor de nossas vidas. Vemos como se por meio dos olhos do malfadado e enigmático poeta brasileiro, Augusto dos Anjos.

Mas o livro pode ser ainda mais doloroso. Em florestas queimadas, solos rachados, pinturas descascadas, esculturas violentadas, placas oxida- das, ossos abandonados, animais atropelados, remendos, trincas e objetos carcomidos, reconhecemos a nós mesmos: a humanidade. Uma humanidade

1 Disponível em: https://issuu.com/sistemasolar/docs/not_yet_pedro_lobo. Acesso em: 23 abr. 2021.

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 373

que não se vê naquilo que destrói, mas como entidade apartada de seu lugar, da própria terra que corrói. Não reconhecemos nas fotografias de Pedro Lobo a nossa própria morte – em cotidiano ato suicida –, mas como se a de um outro abstrato, desalmado, desterrado. Mas somos nós os protagonistas, tão bem representados em sombrias páginas que acumulam nossa história. É a nossa mão civilizatória, que construiu para si uma ideia de natureza e humanismo, que não percebe que aquilo que se apresenta como glória é o próprio impulso de sua morte. Not Yet é assim: uma narrativa potente dessa marcha fúnebre que é o Antropoceno. Um estridente aviso da escalada mortal – como nos avisa Luiz Marques (2015) – em que nos metemos e que, até agora, pouco nos esforçamos para nos livrar.

2 A TRAJETÓRIA DO FOTÓGRAFO

Pedro Lobo é um fotógrafo com trajetória de mais de quatro décadas. O primeiro contato que tive com sua obra foi por meio de um livro de foto- grafias sobre a cidade de São Paulo (LOBO; CRISPINO, 2004). O fotógrafo apresentou ali um pequeno conjunto de fotografias, mas também escreveu sobre seu trabalho como o resultado de um processo cumulativo, contínuo, sempre combinado, interposto, em processo. Uma produção que é expressão de sua própria memória. Assim, a perfeição da forma, racional, iluminista, suas texturas e sombras não têm lugar em seus registros. Ao contrário, estamos sempre diante do indomável, do improvável, como se ele próprio não tivesse pleno controle sobre o que chega para si. O fotógrafo é apenas um meio de tradução daquilo que o mundo lhe apresenta. Um mundo que é o adensado de um tempo.

A dimensão da memória e suas formas de expressão são constitutivas de sua obra e, não por menos, estruturantes em Not Yet. Trata-se de uma evidência que nos remete à sua trajetória, sua formação, com que tive maior contato em 2012, quando o entrevistei (COSTA, 2018). Em 1978, Pedro Lobo passou a exercer a função de fotógrafo e pesquisador do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), que, um ano mais tarde, foi integrado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ali, permaneceu até o ano de 1985 e foi peça chave para o que se desenvolveu visualmente sob os auspícios do designer Aloísio Magalhães, que dirigiu tais instituições até a sua morte, em 1981 (LEITE, 2014).

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 374

O compromisso preservacionista e memorial de tais instituições parece ter dado corpo à trajetória de Pedro Lobo. De maneira mais evidente, nota-se que a cultura, o ambiente e a imaginária religiosa – essencialmente católica, mas não exclusivamente – são matérias recorrentemente mobilizadas. Se em Not Yet essa temática é parte constitutiva – como expressa em uma dezena de fotos que remetem ao tema –, ela é explícita em seu livro In Nomine Fidei (LOBO, 2011a). Imagens, elementos decorativos, interiores de igrejas, registros de terreiros e restos de práticas ritualísticas compõem o imaginário discursivo do fotógrafo, em que a expressão da fé religiosa não é virtuosa ou triunfante. Mas não são as formas de expressão religiosa ou o seu próprio discurso que lhe importam. Ao contrário, são os significados que se inscrevem nos objetos e espaços, tratados como evidências, vestígios de uma memória essencialmente humana. Os artefatos não são registrados, portanto, para darem destaque a uma cultura religiosa, como se a fotografia fosse deles porta-voz. Mas são o meio de apresentar uma memória que se liga aos humanos e que perpassa, faz uso e está inscrita em tais objetos e espaços.

Essa é uma resolução forte e sagaz. A imaginária religiosa católica – especialmente presente em países lusófonos, como Brasil e Portugal, por onde Pedro Lobo transita – carrega significados que lhe implicam uma longeva duração. Como se atribui a ela um valor simbólico e espiritual, já que carrega sentidos que transcendem sua matéria, os artefatos tendem a ser preservados por períodos mais longos. Afinal, para essas culturas, trata-se muito mais do que madeiras, tintas, ferros, panos e argamassas. Um fiel pouco se atreve a dar um fim racional àquilo que não se encontra mais em sua plenitude formal, pois ainda é expressão simbólica, carregada de sentidos. Mas isso implica também que tais artefatos passem a incorporar, com o tempo, inscrições da vida humana, transformando sua própria essência e aparência. É assim que uma santa de roca sem as vestes, um altar vandalizado pelo tempo, o pé de um santo carcomido por cupins, a nave abandonada de uma igreja ou uma bíblia amassada e descartada dizem muito mais sobre o homem por detrás da fé. E é expressão que se adensa com o tempo e se inscreve como discurso de uma memória sobre nós. Mas uma expressão difícil de ser enfrentada, já que é crua e soturna, muito distante daquele perfeito e ascético mundo abstrato. Afinal, a fé – ou a falta dela – está nos humanos. É o nosso tempo que interessa ao fotógrafo em Not Yet.

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 375

Esse trânsito pela religiosidade permite que Pedro Lobo transcenda os domínios daquilo que representa. Mas, em Not Yet, o objeto religioso não mais lhe interessa exclusivamente, pois já perdeu seu efeito específico de veículo para falar da memória e da fé nos humanos. Tudo passa a ser evidência de nossa ação, quando o tempo se acumula nas coisas. Neste ponto, chama a atenção uma fotografia desse livro, em que vemos, num detalhe, uma ampulheta alada coroando o frontão decorativo de um tú- mulo corrompido (LOBO, 2020, p. 46-47). Uma representação explícita da passagem do tempo – ou mesmo da vida que se esvai –, que remonta a uma tradição pictórica presente desde o Renascimento. A memória tem aqui seu lugar como adensado do tempo, o tempo da humanidade. E é muito significativo o fato de que esse tempo não resulta em expressões harmôni- cas ou formalmente perfeitas. Ao contrário, é um tempo que deteriora e transforma a vida e os objetos, substitui e altera aquilo que foi em outro tempo. O mesmo poder destrutivo dos humanos está também nos rastros de cinzas e ossos da violenta queimada que assolou Portugal, em 2018 (LOBO, 2020, p. 30-31), ou na arruinada pedreira de mármore na cidade de Borba (LOBO, 2020, p. 40-41), onde vive o fotógrafo. Pedreira que, até então, fornecia matéria luxuosa para as construções de Dubai e outras cidades do Oriente Médio, expressões singulares do capital financeiro desterrado e da artificialidade global de nossas vidas. A ruína da natureza é, afinal, obra humana de seu tempo. É assim que a memória, adensada no tempo, se apresenta como matéria constitutiva do trabalho de Pedro Lobo.

Mas a relação com o designer Aloísio Magalhães, para retomarmos à questão, constitui também outra camada importante em Not Yet. Junto ao CNRC, Pedro Lobo realizou uma série de pesquisas e registros fotográficos sobre expressões culturais pelo Nordeste e Centro-Oeste brasileiro. Assim, registrou práticas artesanais de aldeias indígenas, pequenas produções in- dustriais e o reprocessamento de materiais industrializados para economias locais. Esse é o caso, por exemplo, do registro que fez do artesanato indígena Kadiwéu, Krahô, Bororo e Xavante, como também é a importante série em que documentou o Artesanato de Pneus, realizado por moradores de cidades do interior dos estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. Especialmente no último caso, interessa a reflexão projetual que tem origem no movimento Do It Yourself, durante os anos 1960 (KALLIPOLITI, 2018).

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 376

Não cabe aqui retraçar uma história do Design, em sua relação com a sustentabilidade e a ecologia. Seria preciso retomar obras inaugurais, como a de Rachel Carson (2010) ou textos clássicos, como as obras de Victor Papanek (1971) e Ernst Schumacher (1973). Parece-me importante destacar apenas que, com a crise do petróleo de 1973 e com a emergência de mo- vimentos ambientalistas, tomaram corpo debates estruturais e altamente politizados de grande projeção para a implementação de políticas públicas nos chamados países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. É nesse contexto que o CNRC foi criado – capitaneado pelo Ministério da Indústria e do Comércio –, buscando reconhecer e fomentar alternativas econômicas para uma população pobre e faminta. Aquilo que os brasileiros faziam para contornar a crueza da miséria passou a ser observado para, eventualmente, ser financiado ou incorporado às políticas econômicas do país. Improvisos, gambiarras e adaptações se tornaram objetos de interesse do Estado, que mobilizou um designer para coordenar seus trabalhos.

Pedro Lobo foi apresentado de forma mais direta a esse universo imperioso de sobrevivência da população brasileira por meio de sua parti- cipação junto ao CNRC e ao Iphan. Tal experiência o formou para ensaios importantes de sua trajetória, como na documentação do interior das celas já desocupadas do hoje demolido presídio do Carandiru, mas também na série de fotografias das favelas cariocas, que resultou em seu livro Architecture of Survival (LOBO, 2011b). Nesse caso, a arquitetura não é o objeto de seu interesse em termos plásticos ou estéticos. Esse não é o objeto de investigação de Pedro Lobo. O que se observa, pelo contrário, é o reconhecimento da sagacidade dos homens na elaboração de alternativas para sobrevivência num espaço urbano violento e desumano. A favela é reconhecida como índice potente dessa condição precária, que incide sobre nossos corpos, sobre a vida, os humanos. Trata-se, portanto, de um olhar formado e direcionado para tais adaptações, ajustes e transformações, que só tempo e ação, associados à emergência da sobrevivência, permitem elaborar ou produzir.

Se a memória é elemento constitutivo do trabalho de Pedro Lobo, é isso que vemos em Not Yet: um humano que luta por sua sobrevivência em meio à ruína que ele mesmo produziu. Aqui, apresentam-se na forma de usos inusitados, como: a porta de uma casa feita com uma chapa metálica reciclada; cordas e arames que sustentam panos e plantas; uma

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 377

fita adesiva que remenda um sofá puído e rasgado. A resolução inventiva para superar pequenos problemas é, assim, elemento estruturante das re- flexões e produções visuais de Pedro Lobo. Memória e improviso formam a base de investigação do fotógrafo. Not Yet funciona, portanto, como um manifesto síntese de seu trabalho, um marco simbólico de reflexões acumuladas em décadas. Mas também um trabalho que expressa um olhar contemporâneo e crítico sobre nosso lugar no mundo, ou o que nós, humanos, estamos fazendo com ele em escala global. Um mundo que não se sabe se está prestes a acabar ou decrépito e moribundo, ainda à espera de redenção. De todo modo, Not Yet.

3 LIVRO, OBJETO IMPRESSO

Not Yet é um livro sagaz, pois além de delinear aspectos constitutivos da trajetória do fotógrafo, o atualiza frente aos debates emergentes da atualida- de. Mas o discurso constituído não pode ser reduzido apenas às fotografias apresentadas, como se elas se bastassem. Um livro é obra que tem mate- rialidade (DERDYK, 2013; CADÔR, 2016), que é também lugar de gênese da construção dos sentidos que se adensam no trabalho do fotógrafo. Não é possível, portanto, tratar de um livro de fotografias sem pensar em sua materialidade, como se fosse elemento menor do discurso que carrega. Trata-se, ao contrário, de uma amálgama indissolúvel, que organiza e dá potência à narrativa fotográfica.

Para compreender a importância da materialidade de Not Yet na construção narrativa, é preciso reconhecer, ao menos, a presença de dois dos profissionais responsáveis pela concepção da obra. O primeiro deles é Gabriel Zellmeister, talvez um dos mais bem sucedidos publicitários brasi- leiros. Atuante desde meados dos anos 1960, se dedicou inicialmente às artes plásticas, mas logo se firmou como diretor de arte de premiadas campanhas nacionais e internacionais. Foi também sócio proprietário de algumas das maiores agências publicitárias do país, como a W/Brasil. Gabriel Zellmeister é um dos profissionais responsáveis pela concepção, como é também quem assina o design gráfico de Not Yet. E não é de se estranhar que tenha sido sua a decisão de criar um livro de fotografias com páginas pretas. Uma solução que integra o conjunto e estabelece um roteiro, dá unidade e eloquência a esse discurso sombrio em torno do humano.

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 378

Vale dizer que a opção pela utilização de tal recurso é muito rara no meio bibliográfico, especialmente no dedicado à fotografia. Com efeito parecido, me lembro do livro Memória do Brasil (2003) do fotógrafo Evgen Bavcar. Mas o uso de tal recurso é restrito, pois requer uma qualidade técnica de excepcional precisão em sua execução. É muito comum que, em produções gráficas de baixa qualidade, as altas densidades de tinta preta acabem por colar as páginas, tornando a leitura um ato nem um pouco prazeroso. Do mesmo modo, é recorrente que se perceba a diferença entre o preto da página e o das fotografias, o que cria uma cisão entre os espaços, um corte narrativo. Mas não é o que ocorre em Not Yet2A impressão executada pela Gráfica Maiadouro – sediada na cidade do Porto, em Portugal – é um verdadeiro primor. A passagem entre o preto da página e o preto denso das fotos é imperceptível – graças a um tratamento de imagem excepcional do fotógrafo e uma impecável impressão em offset – e não há qualquer sinal de adesão física entre páginas opostas, o que também revela um trabalho atencioso de produção gráfica. Desse modo, as fotografias de Pedro Lobo, ricas em texturas, mas também densas de sombras e penumbras, parecem se prolongar sobre as páginas, como se fossem elas mesmas matéria fotográfica uníssona. Todo o livro é fotografia impressa em Not Yet.

Outro aspecto que chama a atenção é um pequeno caderno, colado ao final do livro. Com dois textos sobre a obra de Pedro Lobo, esse caderno tem formato menor, é impresso em papel-bíblia e grafado em tipografia serifada. Cria-se, assim, uma distinção entre o trabalho do autor e os comentários sobre ou em relação à sua obra, deixando o protagonismo reservado ao fotógrafo e suas fotografias. Trata-se, afinal, de um livro de autor. Mas vale uma vez mais destacar a sofisticação da solução. O papel-bíblia, por sua gra- matura muito baixa, requer do leitor um manejo cuidadoso. Uma delicadeza que contradiz a crueza violenta, que ressoa da narrativa visual até então apresentada. Mas que, por outro lado, parece falar sobre a fragilidade do mundo. Um mundo prestes a se desfazer em meio ao Antropoceno. Como aviso derradeiro dessa obra primorosa, a natureza delicada do papel-bíblia revela, assim, o peso e a violência de nossas mãos civilizatórias e humanas.

2 Destaco aqui que a versão on-line não consegue o mesmo efeito da edição impressa, reforçando a importância do objeto impresso para a construção esperada.

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 379

As escolhas materiais são contundentes para a construção nar- rativa apresentada. E aqui é preciso reconhecer a presença da curadora Rosely Nakagawa, a outra profissional responsável pela concepção desse livro. Quando graduanda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), criou, com outros três colegas, um núcleo de publicações de gravuras, na Escola de Comunicação e Artes (ECA), denominado Edições João Pereira. Ali, apresentaram suas obras, mas também experimentaram soluções gráficas, suportes, formatos e papéis. A trajetória de Nakagawa traz também o reconhecimento pela sua atuação ao lado do cineasta Thomaz Farkas, na criação da Galeria de Fotografia da Fotóptica, em 1979. À frente dessa galeria, foi responsável pela elaboração de dezenas de exposições, mas especialmente, pela organização do que se pode chamar de uma massa crítica para o desenvolvimento dos debates do fotográfico, no Brasil. Ação esta que se prolongou ao longo de sua tra- jetória, consolidada em torno de dezenas de trabalhos como curadora e coordenadora de projetos fotográficos.

A relação entre a fotografia e os impressos é, portanto, constitutiva da trajetória de Rosely Nakagawa, mas deve-se dizer que ganhou outro pata- mar nos últimos anos. Em parceria com o português Paulo Pires do Vale, Nakagawa realizou, em 2018, a curadoria da versão brasileira da exposição Tarefas Infinitas: quando a arte e o livro se ilimitam, ocorrida nas depen- dências do Serviço Social do Comércio (Sesc).3 Originalmente realizada em 2012, na Fundação Calouste Gulbenkian em Portugal, meditava sobre a relação entre o livro e a arte, explorando as potências discursivas dessa matéria ativa que é o livro.

É certo que há no Brasil um debate já consolidado sobre a relação entre as artes e o suporte livro. Contemporaneamente, seria preciso apenas citar os trabalhos de Amir Cadôr, que organiza a Coleção Livro de Artista, na Biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mas foi na exposição acolhida pelo Sesc que Rosely Nakagawa estruturou um debate sobre essa relação, dando voz à reflexão do material como elemento inerente ao discurso visual. Assim, a dimensão material do livro como fator indissociável

3 Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/12342_EXPOSICAO+TAREFAS+ INFINITAS. Acesso em: 23 abr. 2021.

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 380

ao discurso fotográfico ganhou densidade nas reflexões da curadora. E não é por acaso que Rosely Nakagawa tenha passado a produzir, editar e conceber livros de fotografia de excelente qualidade. Afinal, um livro de fotografias não é apenas a organização sequencial e narrativa de um punhado de fotografias. Trata-se também de uma obra gráfica – impressa – que precisa ser pensada enquanto tal. Não por menos, o que se vê em Not Yet é também a maturidade dessa profissional. Seja na capa, nas páginas pretas, no caderno de papel-bíblia, essa matéria que é livro tem também latente em si a mão dessa curadora.

4 UM LIVRO SOBRE NÓS, HUMANOS

Not Yet é, portanto, uma obra coletiva. Uma expressão madura do trabalho de um fotógrafo fundamentado entre a memória e o improviso. Mas é também expressão da maturidade de um diretor de arte laureado no meio publicitário, como de uma curadora imersa no mundo da fotografia, mas gabaritada para pensar a natureza material dos impressos. Esse livro é, por- tanto, uma expressão desse encontro geracional – afinal, os três nasceram na primeira metade da década de 1950 –, que consolida suas trajetórias em obra que se mostra potente na articulação de seus elementos.

Deste modo, Not Yet é também uma referência singular para que se possa reconhecer onde se encontra uma das mais importantes forças dos livros de fotografia. Desde que se tornou uma febre entre fotógrafos, críticos, historiadores e colecionadores, esses livros foram pouco ou muito superficialmente debatidos e mesmo concebidos, no que se refere a sua dimensão material. Talvez pelo ativo lançado em meio a uma crise de temas de um mercado saturado, ou quem sabe por uma falta de valorização de nossa parte em reconhecer o mundo das artes gráficas como elemento constitutivo dos discursos pictóricos condensados no livro.

Not Yet parece se concluir, assim, numa aparente contradição. Se é a humanidade a ruína deste mundo, que lugar estaria reservado a um livro tão primoroso e aquilatado pelas mãos de Pedro Lobo, Gabriel Zellmeister e Rosely Nakagawa? A resposta talvez se encontre na própria poesia de Augusto dos Anjos, ou mais precisamente, em sua recorrente ode ao vermeque é "filho da teleológica matéria"Se o verme está a "espreitar meus olhos para roê-los"que seja, justamente, para devorar, consumir e repartir o carbono deste mundo carcomido, rearranjando a vida e o lugar do humano

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 381

na Terra. Que seja dado ao verme essas soturnas fotografias de nosso eu mais íntimo. É disso que se trata Not Yet. O impulso da morte latente nas duras e pesadas fotografias de Pedro Lobo ganha seu lugar de redenção e liberdade nesse livro, que nos diz que há caminhos e potências em nossa essência. Caminhos que podem nos tirar desta pavorosa e decrépita realidade. Not Yet é, afinal, um livro nosso, um livro humano.

REFERÊNCIAS

ANJOS, Augusto dos. Psicologia de um vencido. In: ANJOS, Augusto dos. Eu. Manaus: Valer, 2000. p.35.

BAVCAR, Evgen. Evgen Bavcar: memória do BrasilSão Paulo: Cosac & Naify, 2003.
CADÔR, Amir Brito. O livro de artista e a enciclopédia visual. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2016.
CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010.

COSTA, Eduardo Augusto. Arquivo, poder, memória: Herman Hugo Graeser e o arquivo fotográfico do Iphan. São Paulo: Alameda, 2018.

DERDYK, Edith. Entre ser um e ser mil: o objeto livro e suas poéticasSão Paulo: Senac São Paulo, 2013.

KALLIPOLITI, Lydia. History of Ecological Design. In: Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Retrieved 18 May 2018. Disponível em: https://oxfordre.com/envi- ronmentalscience/environmentalscience/view/10.1093/acrefore/9780199389414.001.0001/ acrefore-9780199389414-e-144. Acesso em: 23 abr. 2021.

LEITE, João de Souza (ed.). Encontros: Aloísio MagalhãesRio de Janeiro: Beco do Azougue, 2014.

LOBO, Pedro. Architecture of Survival. Évora, 2011b.
LOBO, Pedro. In Nomine Fidei. Évora, 2011a.
LOBO, Pedro. Not Yet. São Paulo: Tempo d’Imagem, 2020.
LOBO, Pedro; CRISPINO, Luis. São Paulo, 450 anos. São Paulo: Morumbi Shopping, 2004. MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Editora da Unicamp, 2015. PAPANEK, Victor. Design for the real World. Michigan: University of Michigan, 1971. SCHUMACHER, Ernst Friedrich. O negócio é ser pequeno. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

Rev. CPC, São Paulo, v.16, n.31, p.371-382, jan./jun. 2021. 382

 

Favelas

Architecture of Survival Rocinha, Rio de Janeiro, Brazil

Architecture of Survival Rocinha, Rio de Janeiro, Brazil

FAVELAS: ARCHITECTURE OF SURVIVAL

The photographs of Pedro Lobo

I
It’s a good time to be Brazilian. Worldwide, only the Chinese are more enthusiastic about the economy and their country’s future. And it’s a particularly good time to be from Rio de Janeiro, where next year’s Rio+20 – twenty years after the celebrated Earth Summit of 1992 – opens the floodgates on celebrations galore. The biggest sporting event of the next four years, the soccer world cup final, will be played in Rio in 2014; the city celebrates its 450-year anniversary in 2015; and massive investment will transform Rio for the Olympics in 2016. Rio de Janeiro’s startling topography, rich artistic and cultural traditions, and dazzling beaches will be ever-present in the global media over the coming decade.

Passing attention will be paid to many hundreds of shantytowns in Rio, the favelas. These are perhaps the world’s longest-lived squatter settlements, dating from the late nineteenth century and the abolition of slavery in Brazil. Wage labor arriving from Europe and the end of the Atlantic slave trade framed Brazil’s decision to end slavery. Sometimes celebrated for its non-violence, in fact, after 1888 liberated slaves were abandoned to fend for themselves in a society in transformation as the revolutionary changes of the modern world took deeper hold. As many as eight million people became the new dispossessed, without homes, education, representation, or prospects. The favelas, agglomerations of self-constructed, owner-occupied homes on invaded public and private land, are their legacy.

Freed slaves gravitated to cities as places of opportunity, refuges in the midst of massive structural change. Thus began a pattern that accounts for the permanence of the favela across Brazil through to today. Urban reforms and industrialization over the early and middle parts of the twentieth century reinforced segregation and drew many migrants into Rio de Janeiro. The dispossession of peasants in the northeast of the country, as commercial agriculture moved into high gear over recent decades, saw many millions make the trek to urban spaces nationwide from the 1970s. Just as in Rio a century before, these people too found unoccupied land and established their communities there. Indeed, by UN definition, over a third of Brazil’s population – more than fifty million people – inhabit slums, characterized by overcrowding, substandard housing, limited access to drinking water and sanitation, and insecure title to their land.

Favelas everywhere lack addresses, infrastructure, utilities, services, and security, except those negotiated over the hard decades that many have inhabited these places; and, of course, what the inhabitants themselves provide. These shantytowns are informal, parallel, or shadow cities, populated by marginalized peoples. More recent favelas tend to be found on the periphery of the city, but in Rio, where one resident in five is a favelado, fully a quarter of these settlements are downtown, among them Providência Hill, the first favela, established by former slave soldiers near the ministry of war to await quarters after a military campaign in the 1890s.

II
Pedro Lobo chooses to insert himself into these spaces of exclusion and

resilience. He becomes a witness, working, as celebrated US landscape photographer Frank Gohlke would have it, to make the invisible visible; seeing clearly and unsentimentally what, but for him, would remain unseen. These images are the result of his travels inside the favelas, always by invitation, and always with a sensitivity to the favelas not as problems, but as consequences. They are an architecture of survival. His images would build bridges between middle class Brazilians, for whom the favelas are alien and threatening, and the real people who dwell in these places. Lobo’s landscapes hint at organized chaos as homes scale the hills behind tourist, official Rio, in old and new, large, small, and storied favelas. We intuit the careful living arrangements needed in places this densely populated: in the impossible tangles of wires that commandeer electricity from power company lines and in jerry built water and sewage systems snaking up and down these settlements.

More, these photographs capture the hardening of these urban spaces as people put down roots there and community results. This hardening sees cardboard, tin and recycled wood give way to bricks and mortar as self-constructed homes are improved over generations. Eventually, those homes are topped with new rooftop dwellings as rights to build upwards are sold. Lobo’s beautiful images do not shy away from the sprawl, nor from the hardships of the favelas; but they are filled with the optimism so necessary for that huge part of humanity that lives in these marginalized urban neighborhoods.

Lobo has some reservations about the word resistance to describe this work, but there is certainly counter-hegemonic resistance in the favela understood as greater than the sum of its parts. Here, people have lived for over a hundred years in places where capitalism’s sine qua non of title deeds is subverted, and where collective ownership of property is touted as a way forward. Here, millions are born, grow up and old, and die, largely beyond the reach of the state, for better or worse. Resistance has its limits, and so homes are bought and sold, and the state has infiltrated the favelas in the guise of the Brazilian nation. “These colors don’t run” goes the plucky battle cry, but even in the favelas, it seems, the national colors run the show.

There is poverty in the favelas, but not abject poverty. Lobo’s photos ennoble their largely absent subjects, the people who build these places. Hovels to many western eyes, the self-constructed buildings of the favelas are homes in the fullest sense of the word: places where children’s bikes lie abandoned in the yard, waiting for eager hands to right them; where umbrellas snagged over doorways, and birdcages hung outsides windows, mark these houses out as dwellings. Indeed, it is in part because the favelas are made up of dwellings that a sense of community can flourish there.

Lobo’s approach is to photograph the buildings in the favelas as though his subject were historical monuments or the mansions of the rich. He showcases the majesty of these places through this familiar visual language, allowing us to look anew at the favela and see beyond the exotica. Thus, Lobo reveals the beauty in the favela landscape:

in nighttime views, in narrow steep staircases, in how people personalize their spaces through doorways, marks on walls, crazy tile paving, and, often, green, yellow and blue paint.

III
Over the first decade of the twenty-first century a startling milepost was passed.

Largely unnoticed, the world’s population became majority urban, probably in 2008. Just as in Brazil, much of the increase in urban population is driven by new arrivals to the city from rural hinterlands worldwide. And, for as many as one billion people, big city lights twinkle to deceive. There are some 200,000 slum settlements across the planet. In Cairo a million people live in a sprawling cemetery. UN data suggest that as much as ninety- nine percent of the urban population in Ethiopia and Afghanistan live in slums. In China close to two hundred million people are slum-dwellers, as is more than fifty percent of India’s urban population. In this light Lobo’s work offers a window into places far beyond Rio de Janeiro.

This architecture of survival, however, can also help us to understand something about ourselves. Lobo holds a mirror up to the favelas and when we see our urban spaces in that mirror we must question the sustainability of our way-of-being: are our homes dwellings or merely investments; can 10,000 square foot houses ever be homes; do we value community or commodity; can we really afford ordinances that ban clotheslines; what price do we pay for urban spaces driven by the cars we so prize...?

The culture embodied in Lobo’s favela landscapes questions many of our bedrock assumptions about life in the twenty-first century. Cars, clearly, have no place there; the anonymity of life in the suburbs likewise cannot be; and in Rio de Janeiro alone millions of people have lived for generations without the private property in land we cherish. Life there, nonetheless, is fraught; and the drug warlords who play policeman in the favelas only add to the neomedieval feel of houses stacked one atop the other, perched on hills, elegant in their defiance of gravity, threaded all together by narrow, winding paths. Tensions notwithstanding, there are things to be learned or relearned in Rio de Janeiro’s favelas.

To learn more:Janice Perlman (2010) Favela: Four Decades of Living on the Edge in Rio de Janeiro New York: Oxford University Press.
Robert Neuwirth (2006) Shadow Cities New York: Routledge.
Mike Davis (2007) Planet of Slums New York: Verso.
James H. Kunstler (1994) The Geography of Nowhere New York: Simon and Schuster.

Mark Long, Guest Curator, is Associate Professor of Political Science at the College of Charleston.

 

Poetics

Architecture of Survival. Peixinhos, Recife, Brazil

Architecture of Survival. Peixinhos, Recife, Brazil

POETICS OF A LANDSCAPE IN (DE)CONSTRUCTION

“"No one can predict what will happen in history. Essecially the past will continue to be explored. We are still in need of many retroactive forces” Nietszche

Much has been written concerning the crossed dialogues between photography and the visual arts - their importance, their hybrid quality, their radical mutation through the use of digital technology - in short, the gains and losses they bring. With his photo essay on the Architecture of Survival, Pedro Lobo reaches the ideal balance. He is a photographer without ceasing to be an artist. One need only note the plasticity with which he maps the complex urban space - known as Favela - marked by the pile up of houses built on level ground and on the hillsides of Rio de Janeiro - the Brazilian city bathed by the ocean and surrounded by stunning mountain ranges. Let the precision of the eye that scans the little streets and alleys be noted. These spread out, labyrinth-like in a maze: the best example of a disorganized architectonic space, unpredictable and chaotic- framed by the diverse construction of wooden shacks and brick houses that are raised from the community masses.

That is why it is not an exaggeration to claim that these urban conglomerates are the translation of a contemporary Hydra- the seven headed beast- that stretches itself with voracity across big Brazilian cities. In its web, the complex social network- men of the house, single mothers and widows- is entwined with drug lords, religious bosses and public authorities, the latter with insignificant impact when compared to the articulations of the parallel power that dominates the Favelas. The most symptomatic example of this impasse is the mediaʼs portrayal of terror as if nothing in the favelas made any sense apart from proving an immoral slogan whose reversal could only be possible by the solitary conquest of a unique universe that would, in reflecting that exclusion, render it unthinkable.

From this point of view, Pedro Lobo portrays from behind the sophistication of his language, a precise dissection of the popular habitat proposed by a typological series and a certain singling out of the constructions. The visual elegy that emanates from these houses - the precarious balance, the lightness of the chaos, the emergence of an almost possible individuality - contributes in some way to the dilution of the pejorative notions: the favela becomes a poetic shelter (Bachelard), a symptom entirely different from that of disaggregation. But if Pedro Loboʼs proposal brings back the silent presence of things, on the other hand the compelling reality is bathed by the expressive chromatic range of his expression. Operating with the intensity of colours that sometimes translate into blue hues, Lobo reinforces the ambiguity of the forms destined to catalogue a world about to dissolve. He also invokes, in our opinion, the idea of subjectivity (Subjektive Fotografie), such as defended by the German photographer Otto Steiner after World War II. Something of reality awaits to be deciphered from behind the surface of appearances, placing his work in opposition to the discourse of the School of

Dusseldorf (Bernd and Hila Becher) which, without artifice, recuperate the idea of neutrality as a basis of a return to the documentary function of photography.

In return, the spectator is invited to walk through the looking glass reflecting the world, experiencing himself or herself the same sensation as Alice, the character created by Lewis Carroll who finds herself torn between reality and dream. The secrets of a “magic box” are thus revealed to us in Loboʼs surprising solutions and strange luminous effects.

Thus is unleashed the subversive power and the vitality of expression when well employed. As Lobo states: “I photograph these buildings in the same way that I would photograph monuments or privileged mansions. I construct these images with geometry, composition and a carefully planned structure, searching for a contemporary result that includes historical references to art and, in particular, to photography.” No doubt, his intention is to reveal another, hidden facet of the favela occluded by the social exclusion of a “broken city”, alluded by the journalist Zuenir Ventura through a perspective unknown to many of us.

In conclusion, the unique trajectory of Pedro Lobo is present in the entirety of his work. The experience as a photographer/researcher at the Fundação Pró-Memória (from 1978 to 1985) possibly helped him to construct an ethnography that moves beyond empirical evidence. Further, his multiple studies in the area of photography, built on over 30 years of visual culture acquired in courses such as those offered by the Museum of Fine Arts (Boston) and the International Centre of Photography (New York) has made him one of the most distinguished photographers of his generation. It is this rich brew of experiences that gives rise to the work of Pedro Lobo: asymmetrical, fascinating and, why not say it, profoundly human.

Ângela Magalhães and Nadja Fonseca Peregrino are associated curators. Of special importance, among the critical text published in both Brazilian and international journals, is the book “Fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo” (Photography in Brazil: from its origins to the contemporary), Ed. Funarte, Rio de Janeiro, Brazil, 2004.

 

Devotions

In Nomine Fidei                                                                                                                                                                                                Cachoeira, Petrópolis, Brazil

In Nomine Fidei Cachoeira, Petrópolis, Brazil

IN NOMINE FIDEI

In Nomine Fidei (In the name of faith) is both a quest and a warning. A personal quest for the divine, it is also a broader meditation about the constructive and destructive power of faith. The photographer’s reconstruction through light and angle of buildings and images either built or destroyed – sometimes both - in the name of faith is never silent. Each image tells a story – an intimate or collective tale of faith, hope and suffering. In Nomine Fidei tells us these stories: no words are necessary, each of these stories is left incomplete, for us to fill in with our own hopes and suffering, they form a web of architectural leftovers, ruins and crossroads. They ask us to stop and think. They are the tip of the iceberg of our long-lost hopes. Like a side-road chapel or Shinto temple, they ask for a moment of silence.
What is left of the heritage constructed in the name of some religious beliefs among the visual cacophony of the 21st century and its brand new faiths? What have we destroyed in order to open ourselves to the beliefs of contemporary culture? Was it worth it, sociologically, historically?
There is no religious questioning in Pedro Lobo’s work, as there is no hope of redemption – only an enquiry about what is sacred, and the mysteries of dogmas. His vision enquires about the mystery of transcendence. Through his lenses, a simple sculpture, naked of all attributes, now abandoned in a sacristy next to a light-switch, becomes an “Annunciation”. We follow the downward caress of the light upon that female body emerging from wooden skirts as she appears to surrender to the mystery of faith. We are far from the documental rendering of the sculpture of a saint, once meant to be dressed in full clothing, topped with a wig and carried in a procession – there is something happening here. Deprived of its original meaning by the loss of its hair and attributes, the sculpture acquires new meaning through the eye of the artist, through the apparently simple choices of model, angle and light.
From another side of the religious spectrum, we find Iemanjá the mermaid, Goddess of the Sea in the Candomblé religion, staring at us among the trees of a forest. Here is as photograph of a photograph, a washed down picture of a kitsch drawing, a mirror within a mirror of the powerful rendered powerless, a feared Goddess out of context, reduced to a Greek nymph or even a pin-up poster, yet still staring at us, still powerful …
These appear to be pictures of loss and decay, and yet not really… There is respect and wonder in those pictures. A “revelation” of some kind, maybe, maybe not…
In the early 19th century, Joseph Nicéphone Nièpce (1765-1833), one of the creators of photography, called “heliography” his first attempt– and since then, in smaller or lager degree, photographers have been the “draftsmen of light” as light is their principal tool for the artistic transformation of the objects they appropriate. And it seems curious to acknowledge light was considered in its many forms, one of the ways of the divine revelation.
Over the years, Pedro Lobo has constructed his very personal images without interfering with what he encounters, using architectural photography in order to talk about the human condition, the search for dignity in the humblest dwellings of the Brazilian favelas, and in some of its most dangerous prisons, the search for transcendence in ruined remains of religious buildings, the disappearing sound of folk musicians in the interior of Portugal.
As any work of art, photography is only an interpretation, an attempt to approach the other. The iconological or theological interpretation of works of art is not up to us, art historians: we lack the knowledge of years of theology studies and the directives of each creed. As art historians, we can only attempt an aesthetic reading and a documented search for what artists can or could propose, as far as meaning.
Those remains of by-gone or still surviving faiths, can help us reassess our gains and losses, they pose the same age-old question: as we have proven, once and again, that we cannot, and maybe should not, share the same beliefs – political or religious – how can we at least learn to live together.

Patrícia Telles, art historian, CHAIA, University of Évora, Portugal